quarta-feira, 7 de abril de 2010

Gandhi e o desenvolvimento sustentável

"Devemos ser a mudança que queremos instituir no mundo”


08/12/2009 16:35:01
Ricardo Young

Uma das encruzilhadas do desenvolvimento sustentável é o aparente paradoxo entre crescimento econômico, inclusão social e manutenção do equilíbrio ambiental. Na nossa tradição capitalista, aprendemos que estes fatores são mutuamente excludentes. OU se tem crescimento econômico, ou inclusão social ou equilíbrio ambiental. Estamos tão dominados por uma mentalidade econômica tradicional que deixamos de adotar princípios éticos singelos até, mas que fazem toda a diferença na maneira como lidamos com as coisas do cotidiano.

Vamos refletir sobre a doutrina da não-violência. Afinal, o que ela tem a ver com a sustentabilidade? Tudo.

Gandhi baseou as ações que mobilizaram milhões de indianos pela independência da Inglaterra na “não-violência”, que não é uma ideologia ou uma corrente filosófica. Não-violência pode ser mais bem definida como uma série de conceitos sobre moralidade, poder e conflito que rejeita completamente o uso da violência nos esforços para a conquista de objetivos sociais e políticos.

Gandhi distinguia dois tipos de violência: a violência ativa, que é aquela praticada contra o outro por meio do uso da força física ou do aparelho repressivo do Estado; e a violência passiva, cometida diariamente pelo cada ser humano, de forma consciente ou inconsciente.

Controlando a sua própria violência passiva, que vem “de dentro” do ser humano, é possível derrotar a violência ativa, “de fora”. Foi a partir desta constatação que Gandhi elaborou uma de suas frases mais famosas; “Devemos ser a mudança que queremos instituir no mundo”.

A violência passiva permeia o consumo desenfreado, a busca por lucros exorbitantes, o desperdício, o desrespeito, a falta de compaixão.

Para dar exemplo de como esta violência está nos nossos menores atos, quero repetir aqui uma história sobre Arun Gandhi, neto do Mahatma.

Na infância, Arun era considerado um garoto muito rebelde e até briguento. Por isso, numa determinada época de sua vida, seus pais o enviaram para morar com o avô. Como responsável pela educação da criança, Gandhi dedicava uma hora por dia para conversar com Arun sobre a não-violência. O garoto, na melhor das hipóteses, ouvia. Entender, não entendia. Até que certa vez, fazendo os deveres escolares, ele começou a reclamar do lápis, já num tamanho pequeno. Irritado, num certo momento atirou-o pela janela. Depois, na conversa diária com o avô, contou o fato e pediu um lápis novo para completar as lições.

Gandhi, inconformado com o ato de descarte, crivou o neto de perguntas: por que jogou fora? Não era mesmo possível usá-lo para outra atividade que não fazer deveres de casa? Pensou em quanto trabalho agregado havia naquele pequeno toco de madeira? Quantas árvores foram necessárias para produzi-lo? Enfim, quanto esforço humano e da natureza havia sido desperdiçado num simples gesto? Sem esperar pelas respostas, Gandhi ordenou (com doçura): vá recolher o lápis.

Arun ainda tentou escapar da tarefa, alegando mil desculpas: não sei onde joguei, está escuro lá fora, é só um toco de lápis, etc. Gandhi não lhe deu ouvidos. Deu-lhe isto sim uma lanterna e disse: “Sempre sabemos o que fazemos, então, vc há de se lembrar onde jogou o lápis. A lanterna há de iluminar o quintal e a sua mente também”.

Ao voltar com o toco do lápis, Arun ouviu a conclusão feita por Gandhi:
- Se tirarmos da natureza recursos que não utilizamos, estamos praticando uma violência contra a terra que nos abriga e alimenta; desperdício é violência

- Não é porque há grande quantidade de produtos nas lojas que precisamos comprá-los. Consumo inconsciente desregrado priva outros seres de satisfazer suas necessidades;

- O toco do lápis tem trabalho de alguém. Jogá-lo fora significa desrespeitar este esforço.

Estas três conclusões podem muito bem ser aplicadas à economia de baixo carbono com inclusão social. Esta bem pode representar a materialização dos ideais de Gandhi num novo modo de produzir e consumir. Desenvolvimento sustentável, no fim das contas, não seria o despertar da consciência a respeito da violência passiva que cometemos contra a natureza e contra a sociedade?

Fonte: site da Carta Capital

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