sexta-feira, 23 de julho de 2010

Prostituição avança em bairros da periferia de Limeira.



Bairros periféricos de Limeira vivem um drama social velado, um problema de saúde pública que não se resume só em risco de transmissão de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs). Trata-se de um universo paralelo, em que somente quem entra, constata o tamanho do mercado do sexo espalhado pelos bairros, que ganha um conteúdo ainda mais comovente quando constata-se a participação de meninas a partir dos 11 anos.

Elas vendem o corpo e quanto mais jovem, mais valioso, quanto mais velha, menos trabalho. As menores de idade são as mais requisitadas, especialmente em festinhas que empresários realizam em chácaras. Elas se prostituem para sustentar a casa, comprar fraldas e leite aos filhos gerados em programas, cujos pais são desconhecidos em muitos casos.
Além disso, a prostituição é uma fuga para escapar dos problemas domésticos, de traumas de infância, para sustentar o vício em drogas, ou mesmo em razão da falta de oportunidade. Enquanto para fazer uma faxina, durante um dia inteiro de trabalho, elas receberiam entre R$ 30 e R$ 50, nas ruas, com os programas, o mesmo valor é alcançado com 30 minutos de “trabalho”.
Os pontos funcionam nas portas das residências, em praças, em locais estratégicos. Os clientes já sabem onde encontrar sexo fácil por pouco dinheiro. As fontes que a Gazeta ouviu trazem relatos surpreendentes, comprovam que este mundo não é fictício, mas sim um fenômeno social, aponta o Conselho Tutelar (veja box), fruto da desestrutura do sistema, da desordem nos lares, da má influência que amigas exercem sobre as mais jovens, aliciando-as sob o pretexto de que é fácil se sustentar sozinha, sem a dependência dos pais.
Além de dois clientes que se mantiveram no anonimato para confirmar esse drama, que reforça a maciça participação de menores nessa vida, e em eventos, quando o prazer está acima de qualquer circunstância, duas jovens, de 18 e 19 anos, também declararam, mas neste caso, em material gravado, como funciona o mercado do sexo fora das casas noturnas disfarçadas de boates. Apesar de a conversa ter sido gravada, elas concordaram em conceder entrevista sob a condição do anonimato.
Os homens com quem a reportagem conseguiu falar apenas confirmaram que são clientes, que os fatos são verídicos, mas não quiseram dar declarações. Em curtas conversas, a Gazeta descobriu que são oito bairros em Limeira onde mais há meninas disponíveis fazendo programa durante o dia e à noite.
De acordo com as fontes, as meninas fazem programa por diversos motivos, sendo que, na base da pirâmide, é o dinheiro que fala mais alto. Outros fatores justificam, como a pobreza. Muitas têm filhos e precisam sustentá-los. A família em alguns casos sabe, faz vistas grossas porque a menina ajuda em casa, revelou um dos usuários do serviço.
Os clientes que percorrem bairros em busca de adolescentes são em sua maioria casados. Faixa etária entre 40 e acima dos 50 anos, e preferem os dias de semana para buscar a satisfação sexual, conscientes de que há um risco levando-as a motéis. Qualquer rua menos movimentada, escura, ou mesmo a zona rural são usadas para garantir os minutos de prazer.
Quando a adolescente tem o corpo aparentemente de uma jovem maior de idade, os drives e motéis são alvos escolhidos. Menores entram com facilidade, confirmam as duas adolescentes com quem a Gazeta conversou. Como comprovante de maioridade, apenas um papel, onde elas falsificam a identidade, entrando sem problemas.

“Comecei com 11 anos por causa de droga”

Repórter: Com quantos anos você começou a fazer programa?
A.: Comecei com 11 anos
Repórter: Por quê?
A.: Comecei a usar drogas com 11 anos, e comecei a fazer programa, e não parei mais. Até hoje eu faço ainda
Repórter: Você mora com seu pai? Ele sabe?
A.: Meu pai sabe, até as vezes olha meu filho ‘pra mim’ fazer, pra ‘mim’ sair.
Repórter: Quantos você faz por dia?
A.: Agora tá meio difícil pra fazer. Os caras querem dar pouco, sabe? R$ 20, R$ 15. Então tá meio difícil ‘nóis’ que tem filho. Mas às vezes eu faço três por dia, tem dia que faço quatro, quando saio à noite. Depende, entendeu?
Repórter: E você fica na porta da sua casa?
A.: Fico na porta de casa. É difícil eu trabalhar em boate.
Repórter: Já trabalhou?
A.: Já trabalhei. Fiquei duas semanas trabalhando em Cordeirópolis, só que em boate é muito ruim de trabalhar. Uma, os caras humilham demais a gente. Segundo, os caras dão muito pouco.
Repórter: Qual o perfil do cara que vai procurar vocês?
A.: A maioria é casada, mas vai molequinho também, viu?. Mas a maioria acima dos 50 anos.
Repórter: E você cobra cachê fixo para fazer tudo?
A.: Com certeza. Por exemplo, quando eu saio com eles para fazer tudo cobro R$ 50. Relação normal cobro R$ 30, R$ 25.
Repórter: Quanto você tira por semana?
A.: Uns R$ 300, R$ 400 por semana eu consigo tirar, se trabalhar todo dia. Quando eu tinha 11 anos, 12 anos, tinha em uma noite R$ 80, R$ 90. Agora que eu sou maior, tiro R$ 20, R$ 30, diminuiu, entendeu? Então os caras preferem as mais novinhas do que as velhas.
Repórter: Fale sobre as chácaras, os churrascos...
A.: Nós ‘reúne’ as meninas, vai em chácaras, aparece muita chácara para ir. Esses dias apareceu um cara com muito dinheiro, e só tinha menininha. Tinha uma menina de 11 anos, que ela saiu com ele, ela fez de tudo, assim, com ele, sabe? A menina ganhou R$ 500 para sair com o cara. Jogou vivinho, assim, na cama. Eu fiquei só olhando...
Repórter: Mas isso é pedofilia?
A.: É, mas hoje em dia ninguém quer mais saber, né?
“É mais fácil do que fazer faxina, você trabalha meia hora e vai embora”
Repórter: Parou de fazer programa?
B.: Parei depois que tive filho.
Repórter: Agora, o último (filho)?
B.: É.
Repórter: Como você vai fazer para se sustentar?
B.: Tem o pai dele, um homem que eu acho que é o pai dele que tem me dado dinheiro. Mas se eu quiser fazer programa, eu faço, se eu quiser algum dinheiro pra mim, eu vou.
Repórter: É difícil sair?
B.: É mais fácil do que trabalhar de doméstica, porque você fica o dia inteiro pra ganhar R$ 30, aí você faz o programa, meia hora e vai embora.
Repórter: E tem gente que passa de carro pelo bairro porque sabe que vocês fazem programa? Sabe que tem o lugar certo, até hoje isso aí?
B.: Até hoje, onde você passar aqui tem menina de 13, 14, 15 anos fazendo programa.
Repórter: Por que elas fazem isso, não só pela droga, mas também para comprar o que desejam?
B.: Tem gente que não quer fazer faxina. Então tem menina que cobra R$ 100, porque acha mais fácil. Tem uma lanchonete aqui, que abriu esses ‘tempo’ atrás. Aqui agora, tá virando mais ponto de programa do que lanchonete.
Repórter: O que tá acontecendo, que a meninada está vendendo o corpo?
B.: Elas não tão nem aí, querem o dinheiro.

Drogas, sexo e dinheiro
As duas jovens, de 18 e 19 anos, que aceitaram conversar com a Gazeta para revelar o mundo da prostituição terão seus nomes mantidos em sigilo por questões de segurança.
Elas contaram detalhes sobre fatos que presenciaram nesse universo em que as meninas transformam seus corpos em produtos para garantir a sobrevivência, alimentar o desejo de comprar algum pertence, ou o vício em drogas.
A jovem de 18 anos é B., que começou a se prostituir com 14 anos para comprar drogas. Hoje, ela tem dois filhos, um de dois anos, outro de apenas 10 dias. A jovem de 19 é A., que perdeu a mãe há sete anos, tem um filho de dois anos, começou a se prostituir aos 11 anos em busca de dinheiro para usar entorpecentes.
Ambas acreditam que tenham sido levadas a esse mundo pela falta de oportunidade, declaram que não tiveram momentos felizes na infância e não têm vergonha de dizer que é mais fácil viver como garotas de programa, gosto que muitas outras meninas do bairro também provaram e dificilmente devem sair. A mãe de B. sabe de sua profissão, assim como o pai de A., que até cuida do neto para a filha ganhar dinheiro vendendo o corpo. (Bruna Lencioni)

Conselho Tutelar sugere campanha e psiquiatra explica os traumas futuros
O Conselho Tutelar foi questionado sobre a prostituição em alta nos bairros de Limeira e se manifestou sugerindo uma campanha, do poder público, fortemente estruturada para combater a exploração sexual na cidade. Apesar de saber que a prostituição de jovens é um problema de ordem social, o Conselho diz que é difícil intervir diante dos casos.
O primeiro problema é que denúncias nunca chegam na sua forma essencial, sim como situações que envolvem evasão escolar - as meninas deixam de ir à escola para se prostituir e usar drogas. “Quando o Conselho Tutelar chega na família, a menina já está afastada da escola há bastante tempo”, diz a conselheira coordenadora da entidade, Geraldina Santos Ferreira, que associa parte das evasões escolares das jovens à prostituição e ao uso de drogas. Todas as conselheiras observaram que faltam políticas públicas para apoiar os adolescentes.

PSIQUIATRIA/CRIME

O psiquiatra da Medical, Carlos Eduardo Campelo Vilela explicou que, do ponto de vista mental, o problema de iniciar a vida sexual precocemente traz inúmeras consequências para toda a vida. “Elas não têm maturidade emocional e lidam com a situação de forma comercial. A sexualidade humana é uma das nossas manifestações de sentimento, envolve o desejo, a energia vital. Quando a sexualidade é sadia, há paixão e desejo pela vida. Nesse caso das meninas, fica sem ética e moral. Com isso, a pessoa tem sempre uma visão infantil, mecânica, fora do caminho do afeto. Com duas pessoas adultas, o significado é outro. É um crime o que estão fazendo com essas meninas, por conta de ser um atentado ao desenvolvimento emocional delas. A longo prazo, os caminhos mais comuns a essas jovens é o álcool, drogas, e em função disso, elas tendem a ter personalidade frágil, abrindo possibilidade de desenvolvimento de doenças como depressões e outros distúrbios”, concluiu. O psiquiatra complementa dizendo que o poder público deve agir.

A POLÍCIA

A Polícia Militar (PM) foi questionada sobre as abordagens feitas em bairros e a não identificação das menores que fazem programas, além dos seus clientes, que, ao manterem relações sexuais com elas, infringem a lei e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O capitão da PM, Márcio Silveira Franco, disse que os policiais fazem abordagens de rotina, chegam a encontrar situações em que aparentemente as adolescentes estão em situação irregular, mas, sem flagrante, não há como encaminhar o caso à delegacia. “Os policiais precisam pegar no flagrante. As meninas não podem ser proibidas de ficar na calçada, a menos que elas estejam expondo o corpo”, explicou. (Bruna Lencioni)

Fonte: Gazeta de Limeira (aqui)

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