quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Pobreza e Marginalidade no Interior dos EUA

 

Selvagem e maravilhosa

LUCIANA COELHO

No meio dos EUA, existe um lugar onde as pessoas estudam menos, comem mais, ganham menos dinheiro e morrem mais cedo. Ironicamente, é um lugar lindo em termos naturais, com montanhas superverdes, vales e riachos como não há em nenhum canto lugar do país (ao menos não nessa quantidade).

É a Appalachia, uma faixa de terra que estende ao longo de uma cadeia montanhosa que leva o mesmo nome, e começa lá em cima, no Estado de Nova York, até chegar ao Mississipi. Tem mais ou menos o tamanho da Bahia, mas a população equivale quase à do Chile, do Paraguai e do Uruguai somadas.

Quando você entra na Virginia Ocidental _o único Estado a ficar inteiro dentro dessa região_, a placa de boas-vindas proclama: West Virgina, selvagem e maravilhosa. Ultimamente, porém, anda mais selvagem _no mau sentido_ do que maravilhosa.

Na semana passada, rodei bem a região central desse pedaço de EUA que não é os EUA do nosso imaginário. Porque, me desculpem, mas antes de morar aqui, eu não sabia que pobreza aglomerada também atingia gente branca e na zona rural. A gente lembra de um pouco de pobreza no sul, majoritariamente entre negros e latinos, essencialmente urbana.

Na Appalachia, colonizada por irlandeses há cinco gerações, não tem nem imigração - só Emigração, que chega a 19% em alguns municípios. Aliás, de imigrante só encontrei o mineiro Marco, gerente no Applebees _uma rede local de restaurantes honestos_ em Huntington. Perguntei por que ele estava lá, e ele, já com um pouquinho de sotaque americano depois de 19 anos no país, disse que se mudou porque a ex era da Virginia Ocidental. E não voltou para o Brasil, ou para a Nova York, onde ele viveu, depois da separação? "Ah, não, porque aí acostuma." Vida no campo.

Foquei a reportagem no Kentucky e na Virgínia Ocidental, que são Estados que ainda dependem da extração carvoeira. Steph McSpiritt, uma socióloga ambiental da Universidade do Leste do Kentucky, disse que nada nos EUA é tão América Latina, colonizada e explorada, quanto aquilo ali. "Uma coisa assim meio Galeano, sabe?" Sei.

A economia vai mal desde sempre, pois nunca se diversificou. A forma com que a mineração é feita também estraga o ambiente, contamina os rios a ponto de deixar a água "imbebível". Quem tem condição vai embora. Quem estuda vai embora. E para manter essa mão de obra baratinha e essa gente que topa viver em qualquer buraco, a indústria perpetua o ciclo da ignorância.

Mas foi nos anos 70 que a coisa desandou, quando começaram a fechar as minas subterrâneas e passar a explorar a superfície, porque o carvão supostamente é mais puro na hora de queimar (mas não de produzir). Com a mecanização, os empregos diminuíram. E agora, com a crise no país se aprofundando, e o consumo de carvão caindo, um novo ciclo de miséria ameaça a Appalachia.

Quando digo miséria, é miséria mesmo _nada de relativismo. É 40% da população, em alguns lugares, sem esgoto. É gente morando permanentemente em trailers sem calefação (é, o inverno aqui é rigoroso). É cidades em que só 5% chegaram a universidade. É gente de dentes podres, escuros, esburacados, independentemente da idade. As taxas de mortandade ali são 18% maiores do que no resto do país, segundo estudo liderado por Michael Hendryx, da Universidade da Virginia Ocidental.

Maior que a miséria só a desconfiança e a descrença _nenhuma surpresa que os jovens queiram ir embora, e que a região tenha os índices de depressão mais altos dos EUA.

E esse lugar que ao menos era bonito está perdendo até isso: a mineração de superfície arranca a vegetação e o topo das montanhas. A terra onde essa gente vive há gerações está mudando de cara. Janet Keating, que dirige uma ONG ambientalista, define a sensação como "solostalgia", palavra que emprestou de estudiosos australianos: saudade da terra que se foi, ainda que você esteja morando nela.

Ainda assim, há quem insista que explorar o carvão é bom para a região. Pode já ter sido um dia. Mas hoje, querer uma economia extrativista, de base única e que ainda deixa um rastro tóxico na água é, no mínimo, anacrônico.

Fonte: Blog Pelo Mundo - Folha (aqui)

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