segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Inventário, projetos-piloto e plano diretor: no aniversário de São Paulo, IPT aponta caminhos para arborização na cidade.





Há 463 anos, a metrópole que atende carinhosamente pelo apelido Sampa era ponto de encontro não das inúmeras culturas que são, hoje, o símbolo da cidade, mas de biomas que certamente faziam uma paisagem de tirar o fôlego: mata das araucárias, cerrado e mata atlântica compunham o espetáculo de um outro tipo de diversidade em São Paulo.

Atualmente, sabemos que o cenário é diferente: as cerca de 650 mil árvores mapeadas pela prefeitura em vias públicas em 2014 sofrem com a poluição, barulho, estresse, enchentes e todos os problemas que também são os nossos de cada dia. 

E sofrem, sobretudo, com o manejo inadequado e a falta de planejamento, que fazem do verde uma visão escassa e mal distribuída na cidade.

Está tudo perdido? Não. Do conjunto total até uma única árvore, a arborização urbana é fundamental para a qualidade de vida nas cidades e uma boa gestão pode mudar a cara da metrópole nos próximos anos. Desvende alguns mitos e confira a seguir as possibilidades que o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) aponta para São Paulo.

A GRANDE METRÓPOLE 

Árvore é um problema, sobretudo no verão. É assim que parece ser tratada a questão da arborização urbana em São Paulo, tanto em termos de gestão quanto midiaticamente. As constantes quedas que se multiplicam na época das chuvas, causando transtornos no trânsito, no abastecimento de energia e, por vezes, riscos à vida das pessoas são reflexos de uma deficiência maior e mais constante da cidade: São Paulo não conhece suas árvores.

“Desde 2014, nós sabemos quantas árvores temos na cidade, mas não a qualidade delas”, afirma Raquel Amaral, pesquisadora do Laboratório de Árvores, Madeiras e Móveis do IPT. “O primeiro passo para conhecê-las seria fazer um inventário das árvores, que avaliasse a saúde dos exemplares que temos hoje em São Paulo”, explica.

Isso significa estudar uma a uma as 650 mil árvores da cidade? Nada disso. Segundo a pesquisadora, o trabalho seria inviável para cidades de médio e grande porte, por questões de tempo e financeiras. “Assim como o IPT fez para Mauá, a avaliação de uma amostra do total de árvores já daria o embasamento necessário para planejar a cidade. Se avaliássemos, por exemplo, 10% da arborização em São Paulo [65 mil árvores], colocando 20 duplas em campo, supervisionadas e treinadas, a estimativa para um trabalho como esse seria de um ano”, detalha Giuliana Velasco, consultora do laboratório.

A partir do inventário, seria possível começar a traçar planos para a cidade. A principal lacuna a preencher, a partir daí, seria a elaboração do Plano Diretor de Arborização Urbana (PDAU) do município: hoje, isso não existe, e as decisões sobre a arborização se baseiam no Plano Municipal de Arborização Urbana, instrumento mais simples de planejamento, implantação e manejo das árvores aprovado em 2014 dentro do plano diretor estratégico da cidade.

“Com o PDAU, haverá uma contextualização na lei, estabelecem-se indicadores ambientais e metas a curto, médio e longo prazo”, explica Raquel. “Com base em um diagnóstico, é possível prever o capital humano e tecnológico [equipamentos e softwares, entre os quais o Arbio, desenvolvido pelo IPT] para fazer a gestão da arborização, estipular programas e projetos pontuais, determinar diretrizes e ações para educação ambiental, gestão participativa e divulgação midiática. Isso é planejamento, é uma ação efetiva para uma boa gestão, não uma solução emergencial”, completa.

CENÁRIOS EM SÃO PAULO

É bem fácil perceber que, em diversos sentidos – social, cultural, econômico – São Paulo não é uma cidade homogênea. Assim também com relação às árvores. O mapeamento feito pela prefeitura também mostrou que, considerando apenas calçadas e canteiros, enquanto a região da subprefeitura de Pinheiros conta com 50 mil das 650 mil árvores contabilizadas, a região de Cidade Tiradentes, do outro lado da cidade e com cerca de metade do tamanho de Pinheiros, possui apenas cerca de 3,5 mil.

"Hoje, o que precisamos é ter uma melhor distribuição. É preciso que as pessoas entendam que apenas uma rua ou bairro bem arborizado, ou mesmo uma concentração de verde em um parque ou praça, não resolvem o problema da cidade como um todo”, defende Giuliana.

Dados científicos comprovam a afirmação. Segundo um estudo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), que mediu gradativamente a temperatura e umidade de dentro para fora de um parque, os efeitos de manter um microclima mais agradável são pontuais: apenas o entorno de 40 m a 50 m dos parques se beneficiam dessas benesses.

E não para por aí. Magda Lombardo, especialista em ilhas de calor e qualidade ambiental da USP, constatou que a diferença de temperatura entre as áreas mais e menos arborizadas de São Paulo pode chegar a até 10°C (ver mapas abaixo). “É muita coisa. O ideal é que as árvores estejam nas ruas e avenidas, criando corredores que chegarão aos parques e fragmentos verdes e estabelecerão conexões para a cidade, amenizando o clima e a poluição”, destaca Raquel.

A mudança deve, assim, ser feita aos poucos. De acordo com as pesquisadoras do IPT, uma das soluções seria a execução de projetos-piloto no município, em que bairros ou regiões, prioritariamente os menos arborizados, receberiam estudos específicos sobre suas características, com base nos quais seriam reformulados ou revitalizados.

“A questão não é apenas plantar mais árvores, mais sim o ‘como’ e ‘onde’ isso será feito, e com qual embasamento”, esclarece Giuliana. “Com esses projetos, seria possível visitar os locais, observar a tipologia, o tamanho das calçadas e das ruas, o tipo de fiação, analisar os tipos de árvore adequados àquele espaço, e, enfim, planejar o desenho específico de cada zona, que é muito particular. A ideia é focar nas áreas mais críticas, pensando nas particularidades de São Paulo”.

A ÁRVORE EM SAMPA

Problema ou solução? Depende da gestão. O principal ponto a ser compreendido quando o tema é arborização urbana é que a árvore é tão essencial para a cidade quanto o abastecimento de água e energia, por exemplo. Dados divulgados em 2016 mostram que o índice de poluição em São Paulo está duas vezes mais alto do que o teto estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para uma qualidade do ar aceitável em ambientes urbanos.

Além de reter poluentes, as árvores têm diversas funções no ambiente urbano, como a já citada manutenção do microclima, diminuindo a temperatura e aumentando a umidade, a participação no ciclo hidrogeológico ambiental, que permite o escoamento das águas no impermeável solo urbano, o sombreamento às calçadas, além do aumento da qualidade de vida das pessoas.

“As árvores são fundamentais para a cidade. Os acidentes são provocados sobretudo pelo manejo inadequado, como podas indevidas que desequilibram a árvore, falta de espaço para o crescimento das raízes no canteiro e presença de uma fiação elétrica antiga, que deveria ser enterrada ou compactada”, elenca Giuliana.

Raquel complementa a lista com a falta de conhecimento: árvores, como qualquer ser vivo, nascem, crescem, adoecem e morrem. Países como Alemanha e França possuem estudos sobre o tempo permanência de seus exemplares nas cidades, e anos antes de estes atingirem uma “idade avançada”, plantam uma nova muda ao lado da árvore que será suprimida, por vezes da mesma espécie e na mesma posição que anterior.

“Para o Brasil, o mais próximo disso é um estudo feito para a tipuana, espécie exótica de presença abundante no território. Eles [europeus] não esperam a árvore cair ou morrer, eles renovam. É tudo pensado nesse processo de substituição”, explica.

Com os acidentes acontecendo, contudo, São Paulo não pode esperar um planejamento a longo prazo para começar a preveni-los. Segundo a pesquisadora, uma proposta seria a criação de um plano emergencial, que usaria dados da Defesa Civil e da Prefeitura para conhecer quais são os locais com maior incidência de quedas de árvores em São Paulo.

“Nesse caso, é preciso trabalhar em frentes de ação, em que áreas com maior pré-disposição ao risco seriam analisadas a fundo: de árvore em árvore, uma a uma, para entender qual a saúde desses exemplares e os riscos que oferecem, e também as medidas necessárias para mitigá-los”, finaliza a pesquisadora.

Fonte: Site do IPT (aqui)

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